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Viagens MaCamp

De Camper no Jalapão

 

Segue o relato da viagem de Ricardo Marques pelo Jalapão-TO, em fevereiro de 2007, a bordo de sua Ford- F.1000 4x4(TD) - MotorCasa -Larturist.

Para entrar em contato com Ricardo, envie e-mail para: ri4x4motorcasa@yahoo.com.br .

 


 JALAPÃO (em solitário)

 

 

DA PARTIDA

Sábado, dia 17.

Apesar das várias situações desestimuladoras e das dificuldades, estou rumo ao Jalapão. Contrariando as advertências de outros viajantes, resolvi partir sozinho depois que os companheiros interessados desistiram, afinal a expectativa estava grande, a "tralha" tinha sido toda preparada e a vontade de conhecer o Jalapão vinha de longa data, anterior até mesmo da aquisição do carro 4x4 que tenho hoje. Decidi que iria tomar todos os cuidados possíveis, mas que iria sem ninguém.

    

Pensando na expedição ao Jalapão, nos últimos meses, preparei o MotorCasa para ter autonomia nas viagens. Nesse sentido, instalei novas amarrações do Camper para assegurar firmeza na "buraqueira", reforcei o feixe de molas traseiras da camionete para ter mais estabilidade, instalei um reservatório de 30 litros d'água mineral para qualquer eventualidade, principalmente falha mecânica ou atolamento do carro. Caso essas ou outras eventualidades  me impedissem de prosseguir viagem, eu tinha uma provisão de mantimentos por até uma semana de autonomia.

 

O carro passou por revisões periódicas e adaptações mecânicas para situações de viagens em regiões remotas e de acesso precário. 

As outras viagens com o trailer e com o "habitáculo made in home” que eu havia "construído" na carroceria foram ensaios e experimentações para que eu chegasse à condição de "enfrentar" o Jalapão.

Agora, estou rumo à realização de um sonho... Vamos, que vamos...

Nas cercanias de Formosa, comecei a "corujar", pelo rádio VHF, a comunicação de um grupo que se dirigia para a região de Cavalcante.  As piadas e as gozações eram um alento para quem estava viajando sozinho. Chamou minha atenção o jeito coloquial com que cada membro do comboio se dirigia ao outro. Identifiquei-me, trocamos umas informações e nos despedimos em Teresina de Goiás.

Fui “tocando” devagar, pois o superaquecimento do motor foi um “fantasma” que assombrou quase todo o tempo. Embora tivéssemos feito toda a revisão no sistema de arrefecimento, o motor estava trabalhando muito quente e demorava a resfriar-se, mesmo após longas descidas. A válvula termostática foi condenada (por duas vezes) e as substituições não resolveram o problema. Por fim, o cabeçote também foi "condenado", mas como não daria tempo para o reparo, resolvi viajar assim mesmo, com cuidado, muito cuidado com o pedal da direita.

A paisagem foi sendo reconhecida por mim. Fiz uma viagem para conhecer o Tocantins em 2005 e já havia passado por essa estrada. A linha do horizonte expandida devido ao relevo plano é muito bonita. As estradas são praticamente retas. Chega a ser engraçada a presença de alguns sonorizadores na pista que “avisam” que terá uma curva logo adiante.

Cheguei em Natividade-TO ainda cedo, às 18:00hs. (17hs no horário local, pois lá não segue o horário de verão). Conversei com a dona do Hotel Serra Geral e me “hospedei” no amplo estacionamento. Tive de tirar um pouco da "carga" que carregava dentro do MotorCasa, e todas as noites foi assim. Havia algumas caixas de ferramentas, um pneu estepe, barras de ferro para a manutenção do armário (não cheguei a realizar), um caixote com óleos e peças de reposição, etc, etc, etc. A retirada do estepe e de duas caixas de ferramentas me abria espaço de circulação, já que as outras coisas estavam alojadas debaixo da mesa. A operação não era complicada, mas exigia esforço físico para subir e descer do MotorCasa um pneu 255/75 R.15. Recolocá-lo na manhã seguinte era uma operação preocupante devido a um possível “mau jeito” nas costas. Nada de mais aconteceu!

O jantar dessa noite já estava previamente preparado. O banho foi sumário. Ah! Desobrigar-se das convenções sociais é libertador!!!

 

DO INÍCIO DE TUDO

Domingo, dia 18.

Acordei super bem e me surpreendi com o café da manhã sortido do Hotel. Deu tempo de observar um Niva abarrotado de tralhas até bem acima do teto.

Chequei novamente o caminho a seguir e lá fui para a estrada... No fim do asfalto experimentei a tração 4x4 e não funcionou.

         Afundei o "dedão" no botão e... nada. Resolvi dar uma “pancadinhas” no motor elétrico da tração... nada. Troquei o fusível... nada. Era só o que faltava, vcs não acham? Será a lei de Murphy, que diz: “Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível”.

O “bendito” motor elétrico já havia falhado outras vezes, mas depois voltou a funcionar. Testei antes de vir, por que não funcionaria agora? Resolvi seguir assim mesmo, pois a estradinha era de terra batida. Pensei que poderia seguir até Ponte Alta e fazer o reparo lá (mal sabia eu o que viria pela frente).

Pensei:

- Mas, e se não funcionasse de vez?

Respondi:

- Poderia ir até Palmas! Mas, aí “adeus” viagem, pois só tenho 5 dias, e essa peça com certeza teria que encomendar.

Andei uns 3Km e fui apertando o botão... nada. Precisava fazer algo... Vários colegas disseram que andaram no Jalapão só de 4x2, será que para contar vantagem? Eu, que primo pela segurança, até cogitei, mas logo desisti. Fiz as contas e vi que não daria tempo se o conserto ficasse para outro dia.

Talvez eu pudesse voltar a Natividade e, num local seco, deitar debaixo do carro, sacar fora o motor e destravá-lo, ou limpar os contatos elétricos, sei lá...

Dei meia volta. Cheguei a pensar que na impossibilidade de seguir, eu poderia fazer um outro roteiro. Lembrei-me de que um grupo de caravanistas "Gaviões do Planalto" iriam acampar em Alto Paraíso. Perguntei-me se não seria interessante conhecer outro grupo para viagens e acampamentos, já que os colegas jipeiros não aderiram à minha proposta de viagem.

Cheguei no início do asfalto novamente, no mesmo ponto que parei na ida (só que no sentido inverso), tentei pela última vez e... funcionou! Engatou o 4x4. OBA, OBA... Meia-volta-volver! MARAVILHA!!! (Mas será que não vai quebrar de novo?).

 

DOS APUROS

Trecho até Pindorama: tudo ok! Com o 4x4 engatado em estrada de terra batida, nem mesmo a chuva foi estorvo. A “corrutela” é pouco simpática. Eu estava com espírito desbravador, mas não achei nenhum lugar simpático o bastante para dar uma “paradinha”.

Segui direto. Avistei o primeiro córrego. Lembrei-me da descrição do Ivan (no seu site) que apontava vários cursos d'água. Avaliei rapidamente de dentro do carro que a corredeira estava um pouco forte. A água estava escura, cinza chumbo... O barro aqui tem cor cinza. Não era muito largo o rio. A extensão era de uns 2 carros e meio cobertos por água.

Engatei primeira e acelerei moderadamente, e de repente... a frente do carro abaixou de uma vez... apertei o acelerador... a água passou por cima do capô... continuei acelerando forte... e o carro faz aquele barulho muito característico de funcionamento debaixo d'água... uma espécie de rouquidão que sai do cano de escapamento. Continuei firme... a frente começou a se erguer... vi que daria para terminar. Assustado, parei logo adiante para checar o filtro de ar... e, como era de se esperar, estava molhada a entrada de ar do motor. Subiu um vapor imenso devido a água em contato com o motor quente. Ufa! Por essa, me livrei. Vamos embora... - pensei.

Logo veio o segundo "corgo"... resolvi encarar, pois era de menor em largura que o anterior. De 1a marcha acelerei meio temeroso. De novo, ao iniciar a travessia a frente abaixou violentamente... a água passou por cima do capô, e por cima do pára-brisa também. Não é que a profundidade do rio fosse de 2 metros, não era isso. Somente uma lâmina d’água que, devido ao impacto do carro na água e a velocidade de deslocamento, passava por cima do capô e “lambia” o pára-brisa.

Minha nossa! - exclamei.

Parei um pouco mais adiante: "Puta-merda! E agora?" Não daria para prosseguir por esse caminho. Os vários relatos diziam a respeito de uns córregos, mas como atravessar rio sem snorkel?

A pressão da água fez a placa entortar-se. Avaliei posteriormente que não cumpri todas as normas de segurança preconizadas para travessias em águas profundas. Fica aprendida a lição!

 

DO DESERTO (mas que deserto que nada!)

Segui até uma saída de fazenda e parei. Meu primeiro "ESAON". Gostaria de esclarecer a sigla. Aproveito para divulgar (sem jabá) o belo livro: "Fundamentos de Orientação” de Raul Friedmann.  Ele diz: "Está perdido?” Estacione, procure uma sombra e Sente-se, Alimente-se, Oriente-se e Navegue. Não poderia haver melhor conselho para o momento.

Preparei um lanche e tentei comer, mas a comida “não desceu”.

Bem que eu saí de casa para conhecer um deserto, pelo menos todo mundo se refere: "Deserto do Jalapão", mas não havia sido essa a minha experiência nesses dois dias de viagem.

Enquanto esperava meio sem saber o que fazer, apareceu um “moço” com sua supermoto CG.125 anos 80. Ele perguntou como eu tinha chegado até ali e eu respondi que pela estrada.

- Você atravessou o rio? (com voz de espanto).

- Não sabia que estava tão fundo!

- Eu rodeei... dei a volta... não dava pra passar com a moto.

- Será que vc pode me levar, então, pelas estradas de fazendas até Pindorama novamente? Eu te pago um dia de trabalho.

- Não dá, não! Onde eu passo com a moto, vc não passa com o carro. Mas, tem só mais dois rios pela frente... depois não tem mais.

Não sabia se essa era uma boa ou má notícia, pois, não compensava voltar e atravessar dois rios, já que seriam mais dois pela frente.

Segui... Encontrei o terceiro córrego bem rasinho. Avancei...

Avisto mais um riachozinho, o quarto. Tem uma casa do lado e um matuto? Veio ao meu encontro interessado assim que parei o carro.

- "Bo tard" (tentando eu imitar o sotaque da região)... Dá pra passar?

- Dá não... tá cheio. Esteve mais... até aquela marca lá - apontando uma marca escura do molhado no chão, um metro adiante da água corrente - agora a água está no pescoço.

- E demora quanto tempo para baixar?

- Se não chover na cabeceira, umas duas horas.

- Então vou esperar... Vou ficar lá em cima para não te ocupar... Esse foi o jeito que encontrei para me afastar um pouco da casa, rodeada de cachaços e leitões. O cheiro era muito forte para mim. Embora eu saiba que o homem se adapta ao seu meio, eu não estava me sentindo bem.

Com quase 7 horas de viagem, hodômetro marcando 117km, com 50km a percorrer, encontrei um tempo para escrever sobre essa minha primeira experiência no Jalapão. Enquanto escrevia naquele momento... voltava a chover...

 

   

DO ÚLTIMO MERGULHO

Esperei por mais de 4 horas. Esse tempo não foi entediante por que o Niva abarrotado de bagagem até muito além do teto chegou e encostou. Tratava-se de 4 jornalistas de Ribeirão Preto que travavam as adversidades com muito bom humor. Rimos muito com as gozações de cada um em cima do outro. Um deles, abnegado, era o “batedor” que tirava a roupa e ia sondar a profundidade da água do rio. Eles me contaram que, mesmo saindo algumas horas após, ficaram esperando a água do primeiro rio baixar, coisa que não fiz, um pouco desavisadamente.

Quando a água estava na cintura do “batedor”, resolvemos passar. Ainda houve ponderação de alguns, mas o motorista, que era o dono do carro, estava decidido. Ele foi primeiro após se certificar que eu tinha cordas para arrastá-lo para trás caso tivesse insucesso por causa do barro acumulado na subida íngreme da margem oposta. Que nada! O Niva é valente. Eu é que não ia ficar para trás...

Virei a chave para dar partida e nada... só um som do tipo: “tec”. O motor de partida foi “pro saco” depois dos mergulhos. Tentei outras tantas vezes. Não tava nem um pouco disposto a empurrar duas toneladas de peso “no braço”. Fiquei virando a chave até que o motor virou e pegou. Sabia que não poderia deixá-lo morrer em hipótese nenhuma.

 

Engatei a reduzida e fui em 2a marcha. Um dos camaradas tirou várias fotos em seqüência que mostra bem como foi essa travessia. (fotos) A imagem realçada dos retrovisores da camionete parecem duas “orelhas de abano”. Abaixo deles, tudo mergulhado na água. Porém, saí do outro lado após patinar na saída do rio. Notem no detalhe, a expressão do matuto que ficou para trás.

 

 

No caminho até Ponte Alta ainda atravessamos mata-burros submersos e muita água na pista. De resto foi “pé-na-tábua” para tirar o atraso.

Chegando em Ponte Alta, procurei por uma oficina elétrica. Perguntei para um caminhoneiro que estava no posto de gasolina. Ele me disse que ali, eles iriam desmontar, mas não teria peças de reposição. Ou fariam um “gato” ou iriam buscar peças em Palmas.

Tomei a decisão de ir até Palmas-TO e fazer o reparo em uma oficina que inspirasse confiança. Viajar sozinho tem dessas vantagens: decidiu... tá decidido, sem polêmicas!

Era domingo e eu teria um percurso de 200km até Taquaralto-TO, onde tenho um tio caminhoneiro que mora lá. Acreditava que poderia consertar o carro a tempo de voltar logo na segunda de manhã. Eu estava meio certo e meio equivocado. 

Como a tônica das minhas viagens de visitação e turismo aventureiro é a segurança em primeiro lugar, autonomia e riqueza de experiência, minha intenção era de procurar a Concessionária FORD em Palmas, mas nem telefones eles atenderam. Meu erro foi não imaginar que a segunda-feira de carnaval era considerada: Feriado! 

Fiquei sabendo que no Tocantins, todos são loucos por feriados. Além dos nacionais, decretaram feriados dia da Fundação de Palmas, dia do Decreto da Criação do Estado do Tocantins, e vários outros que nem me lembro agora. Todo mundo guarda o feriado “religiosamente” e foi preciso a intervenção desses parentes para "buscar" o dono da oficina na casa dele, que por sua vez, foi na casa do mecânico para que fosse feito o serviço em Taquaralto mesmo.

Como minha tendência é explicar os fenômenos baseando-me na adaptação do homem ao seu meio ambiente (ou sua modificação), imagino que a grandíssima maioria da população do Tocantins é forasteira e aproveita para congratularem-se nos feriados com parentes e amigos. Será?

 

DE PONTE ALTA A MATEIROS

No meio da manhã já havia resolvido o problema do motor de arranque com relativa facilidade, ainda chequei o filtro de ar para uma possível substituição por avaria pela água dos rios. Para minha grata surpresa, não tinha sinais de que a água havia sido aspirada para dentro. Constatei que esse carro é mesmo preparado para condições extremas de uso. Parti de volta para Jalapão.

Almocei em Ponte Alta, reabasteci de combustível e iniciei a viagem com boa média de velocidade: 45 Km/h, que foi diminuindo com a estrada em pior estado próximo de Mateiros. O início da pista estava cascalhada e logo apareceram as pedras soltas que foram uma preocupação constante (lembrança da minha viagem para o Parque Serra da Canastra onde estourei um pneu por causa de uma pedra solta). Em alguns trechos a arreia estava barrenta e apresentava risco de derrapagem.

A chuva caiu densa em alguns momentos. Como meu equipamento é pesado, nos pontos de buracos, lama e arreião, eu freava e diminuía muito a velocidade, o que prolongou o tempo de viagem e me fez chegar ao Camping do Vicente à noite. Foram 180km em 4h40min, com uma velocidade média de 38km/h.

As surpresas do caminho: 1) de ver alagados e veredas nas margens da rodovia me faz questionar: Deserto ou Pantanal? 2) um buracão "escondido" na lama fez um "carnaval" (vide foto) com os utensílios de cozinha. Ao parar logo em seguida ao solavanco para verificar se havia alguma avaria, me convenci que pratos, copos e panelas estariam melhor ande já estavam: todos no piso, e "dali não passariam".

A recepção do Sr. Vicente foi a mais calorosa possível. Logo me instalei: a grande vantagem do MotorCasa é que só precisa estacionar e nivelar com calços de madeira (preciosismo de minha parte). Desisti de arrumar a bagunça do "carnaval", coloquei tudo em um saco para momento futuro. Afinal, eu estava no coração do J A L A P Ã O...

 

DA EMOÇÃO

"Geeennnnte!!!", cheguei no Jalapão, um dos paraísos ecológicos do planeta. A precariedade das vias de acesso, a escassez de locais de apoio, a rudeza das condições naturais fazem desse lugar um ambiente singular. Estava eu em um dos ícones do "off road".

Sim, comemorei em grande estilo. Iniciei com um vinho gelado e pedi ao meître (eu mesmo) un penne avec de la viande à la sauce aux herbes fines. Sabem lá o que foi aquilo, ali , naquele momento e naquela precariedade? Mais uma taça de vinho antes do macarrão estar ao ponto. Fartei-me e fui dormir.

A opção inicial era de acampar na Cachoeira do Formiga para regozijar do barulho da água caindo - quem já acampou sabe -, mas pelo avançado da hora de quando passei pelo acesso e ao ver a placa indicativa de que eram mais 6,5Km, desisti.  Não fez falta, pois caiu um "pé d'água" e o barulho dos pingos me recobrou a memória emocionada de quando eu era garoto e morava em casa. Hoje, moro em Apartamento e não há barulho da chuva para embalar o sono.

 

DO MARASMO

Terça, dia 20.

Então estamos na terça. Chuva e mais chuva. E agora?

A chuva da noite não deu trégua na manhã seguinte e fiquei sem o que fazer. Após o café da manhã, sentei-me à mesa e escrevi mais um pouco desse relato “teclando” no “Palm Top”. Que requinte!

As notícias eram desanimadoras... o fervedouro não esta "fervendo" porque a água da vereda "emendou" com ele. As praias do Rio Claro não existem mais, porque as águas avançaram e cobriram muitos metros de margem. Eu não conseguia sair da inércia. A manhã se transcorreu arrastada e melancólica. Pensava: estou no Jalapão e sem muita vontade de conhecer tudo o que tem por aqui.

Resolvi dar manutenção no MotorCasa. Havia planejado três serviços. Um deles seria instalar as lâmpadas de emergência (do tipo residenciais) que estavam previamente carregadas. Fiz furações, emendei fios elétricos e... pronto! Ah, como eu gosto disso. Funcionou maravilhosamente bem de agora até o resto da viagem. Com essas lâmpadas de emergência eu poupo as baterias para ter iluminação à noite. Notei que são até mais eficientes para leitura do que as lâmpadas de filamento, originais.

Fiz arroz com carne seca para o almoço (comida de tropeiro) e fui lavar a louça no barracão central do camping. Vicente me deu a notícia de que precisávamos combinar o dia seguinte, porque ele iria se ausentar. Foi o mote para que eu resolvesse dormir na cachoeira do Formiga.

Levantar acampamento com o MotorCasa é simplíssimo, pois só recolhi o pneu de estepe, (o segundo estepe que levei por segurança) e fechei as janelas e a porta. Pronto para partir!

Agora daria para encarar os 6,5Km que desisti no dia anterior. Não seria sem apreensão que eu iria percorrer esse trajeto. O caminho é todo em arreia, que estava molhada e pegajosa... Alguns poções de água e mais “arreião”. Dirigi praticamente em 2a marcha, acelerando fundo quando sentia que o carro começava a perder velocidade (a pouca que eu desenvolvia). A sensação era que as rodas "grudavam" no chão e dava sinais que iriam ficar "fincadas" ali.  Não tive sobressaltos como ao atravessar os rios, mas a preocupação da estrada de areia me acompanhou. Notei que as nuvens se dissiparam. O caminho se estreitou e vieram as erosões (mínimas em comparação com as que iria encontrar no caminho de volta, mas isso eu conto depois).

 

DO REGOZIJO

Avistei a palhoça do camping. Larguei o carro embicado em qualquer lugar que coube. Desci e escutei o barulho d'água. Fui em direção à cachoeira. A visão é paradisíaca. O verde-esmeralda da água é lindo. Pulei na água... é “morninha”! O sol brilhou forte e iluminava o fundo do poço. Deliciei-me o resto da tarde. Estava extasiado, sai e retornei para nadar várias vezes. Só retornei ao MotorCasa quando o sol se pôs... E a chuva voltou.

Nivelei o carro. Um grupo de motoqueiros veio com curiosidade conhecer meu "carro-casa". Comi as sobras do almoço com muitas frutas. Planejei fumar uma cigarrilha conversando com os motoqueiros de Curitiba, com os quais eu havia encontrado na segunda-feira pela manhã, na estrada de volta de Taquaralto. O encontro não ocorreu por causa da chuva grossa.

 

DO REGRESSO

Quarta, dia 21.

No Planejamento, dia do início da volta.

A segurança de já ter trilhado os caminhos do Jalapão foi tranqüilizador nesse momento. Após os preparativos de partida, que vcs sabem que são mínimos, iniciei a viagem de volta com planos de conhecer as Dunas, que passei direto na vinda.

A chuva deu uma trégua e, de 2a marcha engatada e de "pé no fundo", segui pela estradinha de areia até a "rodovia". Com toda calma do mundo fui "tocando" e admirando a beleza campesina ao redor.

Ao chegar na portaria que dá acesso às Dunas, avistei o Niva dos jornalistas de Ribeirão Preto. Fiquei tão contente que estacionei buzinando. Desci e os moradores me olharam com espanto. Sem graça, perguntei pelos rapazes do Niva. Eles haviam abandonado o carro estragado e estavam em Mateiros. Senti tristeza, pois estava lá em Mateiros há poucas horas e não me encontrei com eles.

O Niva fundiu o motor no caminho para as Dunas devido a uma poça profunda que os rapazes não conseguiram superar. Pôxa! A questão de segurança é crucial por aqui... (sussurrei para mim mesmo).

 

DO ESPLENDOR

Conversei um pouco mais com os nativos, tomei um lanche e parti para a trilha de areia que dá acesso às Dunas, com o cuidado de desviar dos poços pelas laterais, "beliscando" o cerrado. Nesses desvio, inclinação do MotorCasa ficava perigosa, devido o desnível entre o barranco e a pista, que possuía sulcos profundos na arreia causados pelos tráfego.

Cheguei e me maravilhei com as montanhas de areia dourada das Dunas. Subi com esforço até o alto. A visão é esplendorosa.

Impossível não comparar o estranhamento daquelas formações rochosas com a sensação que tive ao ver, pela primeira vez, o Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros. Se forçasse mais na descrição, eu diria que, aqui, o encantamento que temos é comparável à surpresa diante de um número de ilusionismo. Despedi-me das Dunas com muitas fotos.

Não estava chovendo e os caminhos estavam mais "fáceis". Eu havia tido notícias de que a chuva de dois dias atrás castigou a cidade de Mateiros. Ao me aproximar percebi a proporção dos estragos. As erosões na estrada eram imensas. Iniciei a travessia da primeira devagar... "Cruzei os eixos" e o chassi "chiou". Outras vieram... e o chassi da camionete “estalou”.

Cheguei em Mateiros. Voltei no restaurante Panela de Ferro para conversar com o dono, Luiz Roberto. Na segunda feira passada ele estava "banhado" em suor com o corre-corre da casa cheia. Dessa vez ele se aproximou do MotorCasa e perguntou interessado sobre o funcionamento dos equipamentos. Os poucos hóspedes que ainda restavam se aproximaram também. Conversamos um pouco sobre as chuvas e das pontes caídas, que, decorrido dois dias, já haviam sido remendadas.

Um dos hóspedes era chileno e disse que o irmão que morava na Argentina tinha um Camper jogado no quintal de casa. Nos avaliamos que deve ser muito mais comum ter um Camper lá pelas terras portenhas.

Retomei o caminho de volta. Atravessei mais erosões fundas e de novo ouvi os estalos na parte de baixo do carro. Percebi que não era o chassi, mas o suporte do estribo é que reclamava a torção excessiva. Mais uma vez comprovei que o carro é preparado para situações extremas, pois até agora, nada de grave aconteceu.

 

DAS LEMBRANÇAS

 Continuei a viagem bem devagar. Cheguei em Ponte Alta e reabasteci. A preocupação com a possível falta de combustível não se confirmou. Ainda sobrou muito diesel. Encostei debaixo de uma árvore e fiz um almoço às 3 horas da tarde. As belezas, os infortúnios, as alegrias, as preocupações... Tudo estava “povoando” a minha cabeça.

Lógico que não iria retornar por Pindorama. Segui até Porto Nacional e cheguei de volta à Natividade ainda com a luz do dia. No dia seguinte conversei muito com a gerente do hotel, que me fez ficar muito curioso em conhecer as ruínas da “cidade velha” de Natividade encravada na montanha. Fica para uma próxima vez.

Na estrada, a temperatura do motor foi subindo muito à medida que o sol esquentava. Mesmo com baixa velocidade, nas imediações de Teresina de Goiás a situação ficou crítica. Ali não encontrei nenhuma oficina na beira da estrada que me fizesse querer parar. Deveria ter procurado outras, mas não o fiz. Com as serras até Alto Paraíso, eu tinha que andar a 40km/hora de 3a marcha e, mesmo assim, o radiador quase ferveu.

Em Alto Paraíso, parei decidido a resolver essa situação de uma vez por todas. Parei em uma oficina na beira da estrada e pedi que tirasse fora a válvula termostática.  “Instalamos” um pedaço de cano-de-escapamento velho com marcas de ferrugem e fuligem. Resultado: até minha cabeça se refrescou! O aquecimento continuava um mistério, mas agora o motor resfriava o suficiente nas descidas. Acho que vai ficar assim para sempre.

A chegada em Brasília foi sem mais sobressaltos.

Resolvi relatar essa viagem para “fazer lastro” com outros viajantes e expedicionários do Jalapão e de outras “eco-maravilhas” naturais.

Dias após, recordando a viagem, tive vontade de reler o livro sobre a viagem do Amir Klink - Cem dias entre o Céu e o Mar.

Constatei o que também havia se passado comigo nessa expedição. Em primeiro lugar eu diria que o impacto de cada uma das experiências sempre foram acompanhadas de uma forte vivência interior, constatável pelo extenso relato. Mais a mais, não bastasse isso, houve mudanças na percepção de mim mesmo e do ambiente provocada por cada uma das situações vividas, mudanças essas que se processavam no instante da ocorrência dos acontecimentos. Fenomenológico, não?

Até a próxima!

__._,_.___ Artigo escrito por Ricardo Marques

 

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