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Viagens MaCamp
De Camper no Jalapão
Segue
o relato da viagem de Ricardo Marques pelo Jalapão-TO, em
fevereiro de 2007, a bordo de sua Ford- F.1000 4x4(TD) -
MotorCasa -Larturist.
Para entrar em contato com Ricardo, envie e-mail para:
ri4x4motorcasa@yahoo.com.br .
JALAPÃO
(em solitário)
DA PARTIDA
Sábado, dia 17.
Apesar das várias situações
desestimuladoras e das dificuldades, estou rumo ao Jalapão.
Contrariando as advertências de outros viajantes, resolvi partir
sozinho depois que os companheiros interessados desistiram,
afinal a expectativa estava grande, a "tralha" tinha sido toda
preparada e a vontade de conhecer o Jalapão vinha de longa data,
anterior até mesmo da aquisição do carro 4x4 que tenho hoje.
Decidi que iria tomar todos os cuidados possíveis, mas que iria
sem ninguém.
Pensando na expedição ao Jalapão, nos
últimos meses, preparei o MotorCasa para ter autonomia nas
viagens. Nesse sentido, instalei novas amarrações do Camper para
assegurar firmeza na "buraqueira", reforcei o feixe de
molas traseiras da camionete para ter mais estabilidade,
instalei um reservatório de 30 litros d'água mineral para
qualquer eventualidade, principalmente falha mecânica ou
atolamento do carro. Caso essas ou outras eventualidades me
impedissem de prosseguir viagem, eu tinha uma provisão de
mantimentos por até uma semana de autonomia.
O carro passou por revisões periódicas e
adaptações mecânicas para situações de viagens em regiões
remotas e de acesso precário.
As outras viagens com o trailer e com o "habitáculo
made in home” que eu havia "construído" na carroceria foram
ensaios e experimentações para que eu chegasse à condição de
"enfrentar" o Jalapão.
Agora,
estou rumo à realização de um sonho... Vamos, que vamos...
Nas cercanias de Formosa, comecei a "corujar",
pelo rádio VHF, a comunicação de um grupo que se dirigia para a
região de Cavalcante. As piadas e as gozações eram um alento
para quem estava viajando sozinho. Chamou minha atenção o jeito
coloquial com que cada membro do comboio se dirigia ao outro.
Identifiquei-me, trocamos umas informações e nos despedimos
em Teresina de Goiás.
Fui “tocando” devagar, pois o
superaquecimento do motor foi um “fantasma” que assombrou quase
todo o tempo. Embora tivéssemos feito toda a revisão no sistema
de arrefecimento, o motor estava trabalhando muito quente e
demorava a resfriar-se, mesmo após longas descidas. A válvula
termostática foi condenada (por duas vezes) e as substituições
não resolveram o problema. Por fim, o cabeçote também foi
"condenado", mas como não daria tempo para o reparo, resolvi
viajar assim mesmo, com cuidado, muito cuidado com o pedal da
direita.
A paisagem foi sendo reconhecida por mim.
Fiz uma viagem para conhecer o Tocantins em 2005 e já havia
passado por essa estrada. A linha do horizonte expandida devido
ao relevo plano é muito bonita. As estradas são praticamente
retas. Chega a ser engraçada a presença de alguns sonorizadores
na pista que “avisam” que terá uma curva logo adiante.
Cheguei em Natividade-TO ainda cedo, às
18:00hs. (17hs no horário local, pois lá não segue o horário de
verão). Conversei com a dona do Hotel Serra Geral e me
“hospedei” no amplo estacionamento. Tive de tirar um pouco da
"carga" que carregava dentro do MotorCasa, e todas as noites foi
assim. Havia algumas caixas de ferramentas, um pneu estepe,
barras de ferro para a manutenção do armário (não cheguei a
realizar), um caixote com óleos e peças de reposição, etc, etc,
etc. A retirada do estepe e de duas caixas de ferramentas me
abria espaço de circulação, já que as outras coisas estavam
alojadas debaixo da mesa. A operação não era complicada, mas
exigia esforço físico para subir e descer do MotorCasa um pneu
255/75 R.15. Recolocá-lo na manhã seguinte era uma operação
preocupante devido a um possível “mau jeito” nas costas. Nada de
mais aconteceu!
O jantar dessa noite já estava previamente
preparado. O banho foi sumário. Ah! Desobrigar-se das convenções
sociais é libertador!!!
DO INÍCIO DE TUDO
Domingo, dia 18.
Acordei super bem e me surpreendi com o
café da manhã sortido do Hotel. Deu tempo de observar um Niva
abarrotado de tralhas até bem acima do teto.
Chequei novamente o caminho a seguir e lá
fui para a estrada... No fim do asfalto experimentei a tração
4x4 e não funcionou.
Afundei o "dedão" no botão e...
nada. Resolvi dar uma “pancadinhas” no motor elétrico da
tração... nada. Troquei o fusível... nada. Era só o que faltava,
vcs não acham? Será a lei de Murphy, que diz: “Se alguma coisa
pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no
pior momento e de modo que cause o maior dano possível”.
O “bendito” motor elétrico já havia
falhado outras vezes, mas depois voltou a funcionar. Testei
antes de vir, por que não funcionaria agora? Resolvi seguir
assim mesmo, pois a estradinha era de terra batida. Pensei que
poderia seguir até Ponte Alta e fazer o reparo lá (mal sabia eu
o que viria pela frente).
Pensei:
- Mas, e se não funcionasse de vez?
Respondi:
- Poderia ir até Palmas! Mas, aí “adeus”
viagem, pois só tenho 5 dias, e essa peça com certeza teria que
encomendar.
Andei uns 3Km e fui apertando o botão...
nada. Precisava fazer algo... Vários colegas disseram que
andaram no Jalapão só de 4x2, será que para contar vantagem? Eu,
que primo pela segurança, até cogitei, mas logo desisti. Fiz as
contas e vi que não daria tempo se o conserto ficasse para outro
dia.
Talvez eu pudesse voltar a Natividade e,
num local seco, deitar debaixo do carro, sacar fora o motor e
destravá-lo, ou limpar os contatos elétricos, sei lá...
Dei meia volta. Cheguei a pensar que na
impossibilidade de seguir, eu poderia fazer um outro roteiro.
Lembrei-me de que um grupo de caravanistas "Gaviões do Planalto"
iriam acampar em Alto Paraíso. Perguntei-me se não seria
interessante conhecer outro grupo para viagens e acampamentos,
já que os colegas jipeiros não aderiram à minha proposta de
viagem.
Cheguei no início do asfalto novamente, no
mesmo ponto que parei na ida (só que no sentido inverso), tentei
pela última vez e... funcionou! Engatou o 4x4. OBA, OBA...
Meia-volta-volver! MARAVILHA!!! (Mas será que não vai quebrar de
novo?).
DOS APUROS
Trecho até Pindorama: tudo ok! Com o 4x4
engatado em estrada de terra batida, nem mesmo a chuva foi
estorvo. A “corrutela” é pouco simpática. Eu estava com espírito
desbravador, mas não achei nenhum lugar simpático o bastante
para dar uma “paradinha”.
Segui direto. Avistei o primeiro córrego.
Lembrei-me da descrição do Ivan (no seu site) que apontava
vários cursos d'água. Avaliei rapidamente de dentro do carro que
a corredeira estava um pouco forte. A água estava escura, cinza
chumbo... O barro aqui tem cor cinza. Não era muito largo o rio.
A extensão era de uns 2 carros e meio cobertos por água.
Engatei primeira e acelerei moderadamente,
e de repente... a frente do carro abaixou de uma vez... apertei
o acelerador... a água passou por cima do capô... continuei
acelerando forte... e o carro faz aquele barulho muito
característico de funcionamento debaixo d'água... uma espécie de
rouquidão que sai do cano de escapamento. Continuei firme... a
frente começou a se erguer... vi que daria para terminar.
Assustado, parei logo adiante para checar o filtro de ar... e,
como era de se esperar, estava molhada a entrada de ar do motor.
Subiu um vapor imenso devido a água em contato com o motor
quente. Ufa! Por essa, me livrei. Vamos embora... - pensei.
Logo veio o segundo "corgo"... resolvi
encarar, pois era de menor em largura que o anterior. De 1a
marcha acelerei meio temeroso. De novo, ao iniciar a travessia a
frente abaixou violentamente... a água passou por cima do
capô, e por cima do pára-brisa também. Não é que a profundidade
do rio fosse de 2 metros, não era isso. Somente uma lâmina d’água
que, devido ao impacto do carro na água e a velocidade de
deslocamento, passava por cima do capô e “lambia” o pára-brisa.
Minha nossa! - exclamei.
Parei um pouco mais adiante: "Puta-merda!
E agora?" Não daria para prosseguir por esse caminho. Os vários
relatos diziam a respeito de uns córregos, mas como atravessar
rio sem snorkel?
A pressão da água fez a placa entortar-se.
Avaliei posteriormente que não cumpri todas as normas de
segurança preconizadas para travessias em águas profundas. Fica
aprendida a lição!
DO DESERTO (mas que deserto que nada!)
Segui até uma saída de fazenda e parei.
Meu primeiro "ESAON". Gostaria de esclarecer a sigla. Aproveito
para divulgar (sem jabá) o belo livro: "Fundamentos de
Orientação” de Raul Friedmann. Ele diz: "Está perdido?”
Estacione, procure uma sombra e Sente-se, Alimente-se,
Oriente-se e Navegue. Não poderia haver melhor conselho para o
momento.
Preparei um lanche e tentei comer, mas a
comida “não desceu”.
Bem que eu saí de casa para conhecer um
deserto, pelo menos todo mundo se refere: "Deserto do Jalapão",
mas não havia sido essa a minha experiência nesses dois dias de
viagem.
Enquanto esperava meio sem saber o que
fazer, apareceu um “moço” com sua supermoto CG.125 anos 80. Ele
perguntou como eu tinha chegado até ali e eu respondi que pela
estrada.
- Você atravessou o rio? (com voz de
espanto).
- Não sabia que estava tão fundo!
- Eu rodeei... dei a volta... não dava pra
passar com a moto.
- Será que vc pode me levar, então, pelas
estradas de fazendas até Pindorama novamente? Eu te pago um dia
de trabalho.
- Não dá, não! Onde eu passo com a moto,
vc não passa com o carro. Mas, tem só mais dois rios pela
frente... depois não tem mais.
Não sabia se essa era uma boa ou má
notícia, pois, não compensava voltar e atravessar dois rios, já
que seriam mais dois pela frente.
Segui... Encontrei o terceiro córrego bem
rasinho. Avancei...
Avisto mais um riachozinho, o quarto. Tem
uma casa do lado e um matuto? Veio ao meu encontro interessado
assim que parei o carro.
- "Bo tard" (tentando eu imitar o sotaque
da região)... Dá pra passar?
- Dá não... tá cheio. Esteve mais... até
aquela marca lá - apontando uma marca escura do molhado no chão,
um metro adiante da água corrente - agora a água está no
pescoço.
- E demora quanto tempo para baixar?
- Se não chover na cabeceira, umas duas
horas.
- Então vou esperar... Vou ficar lá em
cima para não te ocupar... Esse foi o jeito que encontrei para
me afastar um pouco da casa, rodeada de cachaços e leitões. O
cheiro era muito forte para mim. Embora eu saiba que o homem se
adapta ao seu meio, eu não estava me sentindo bem.
Com quase 7 horas de viagem, hodômetro
marcando 117km, com 50km a percorrer, encontrei um tempo para
escrever sobre essa minha primeira experiência no Jalapão.
Enquanto escrevia naquele momento... voltava a chover...
DO ÚLTIMO MERGULHO
Esperei por mais de 4 horas. Esse tempo
não foi entediante por que o Niva abarrotado de bagagem até
muito além do teto chegou e encostou. Tratava-se de 4
jornalistas de Ribeirão Preto que travavam as adversidades com
muito bom humor. Rimos muito com as gozações de cada um em cima
do outro. Um deles, abnegado, era o “batedor” que tirava a roupa
e ia sondar a profundidade da água do rio. Eles me contaram que,
mesmo saindo algumas horas após, ficaram esperando a água do
primeiro rio baixar, coisa que não fiz, um pouco desavisadamente.
Quando a água estava na cintura do
“batedor”, resolvemos passar. Ainda houve ponderação de alguns,
mas o motorista, que era o dono do carro, estava decidido. Ele
foi primeiro após se certificar que eu tinha cordas para
arrastá-lo para trás caso tivesse insucesso por causa do barro
acumulado na subida íngreme da margem oposta. Que nada! O Niva é
valente. Eu é que não ia ficar para trás...
Virei a chave para dar partida e nada...
só um som do tipo: “tec”. O motor de partida foi “pro saco”
depois dos mergulhos. Tentei outras tantas vezes. Não tava nem
um pouco disposto a empurrar duas toneladas de peso “no braço”.
Fiquei virando a chave até que o motor virou e pegou. Sabia que
não poderia deixá-lo morrer em hipótese nenhuma.
Engatei a reduzida e fui em 2a marcha. Um
dos camaradas tirou várias fotos em seqüência que mostra bem
como foi essa travessia. (fotos) A imagem realçada dos
retrovisores da camionete parecem duas “orelhas de abano”.
Abaixo deles, tudo mergulhado na água. Porém, saí do outro lado
após patinar na saída do rio. Notem no detalhe, a expressão do
matuto que ficou para trás.
No caminho até Ponte Alta ainda
atravessamos mata-burros submersos e muita água na pista. De
resto foi “pé-na-tábua” para tirar o atraso.
Chegando em Ponte Alta, procurei por uma
oficina elétrica. Perguntei para um caminhoneiro que estava no
posto de gasolina. Ele me disse que ali, eles iriam desmontar,
mas não teria peças de reposição. Ou fariam um “gato” ou iriam
buscar peças em Palmas.
Tomei a decisão de ir até Palmas-TO e
fazer o reparo em uma oficina que inspirasse confiança. Viajar
sozinho tem dessas vantagens: decidiu... tá decidido, sem
polêmicas!
Era domingo e eu teria um percurso de
200km até Taquaralto-TO, onde tenho um tio caminhoneiro que mora
lá. Acreditava que poderia consertar o carro a tempo de voltar
logo na segunda de manhã. Eu estava meio certo e meio
equivocado.
Como a tônica das minhas viagens de
visitação e turismo aventureiro é a segurança em primeiro lugar,
autonomia e riqueza de experiência, minha intenção era de
procurar a Concessionária FORD em Palmas, mas nem telefones eles
atenderam. Meu erro foi não imaginar que a segunda-feira de
carnaval era considerada: Feriado!
Fiquei sabendo que no Tocantins, todos são
loucos por feriados. Além dos nacionais, decretaram feriados dia
da Fundação de Palmas, dia do Decreto da Criação do Estado do
Tocantins, e vários outros que nem me lembro agora. Todo mundo
guarda o feriado “religiosamente” e foi preciso a intervenção
desses parentes para "buscar" o dono da oficina na casa dele,
que por sua vez, foi na casa do mecânico para que fosse feito o
serviço em Taquaralto mesmo.
Como minha tendência é explicar os
fenômenos baseando-me na adaptação do homem ao seu meio ambiente
(ou sua modificação), imagino que a grandíssima maioria da
população do Tocantins é forasteira e aproveita para
congratularem-se nos feriados com parentes e amigos. Será?
DE PONTE ALTA A MATEIROS
No meio da manhã já havia resolvido o
problema do motor de arranque com relativa facilidade, ainda
chequei o filtro de ar para uma possível substituição por avaria
pela água dos rios. Para minha grata surpresa, não tinha sinais
de que a água havia sido aspirada para dentro. Constatei que
esse carro é mesmo preparado para condições extremas de uso.
Parti de volta para Jalapão.
Almocei em Ponte Alta, reabasteci de
combustível e iniciei a viagem com boa média de velocidade: 45
Km/h, que foi diminuindo com a estrada em pior estado próximo de
Mateiros. O início da pista estava cascalhada e logo apareceram
as pedras soltas que foram uma preocupação constante (lembrança
da minha viagem para o Parque Serra da Canastra onde estourei um
pneu por causa de uma pedra solta). Em alguns trechos a arreia
estava barrenta e apresentava risco de derrapagem.
A chuva caiu densa em alguns momentos.
Como meu equipamento é pesado, nos pontos de buracos, lama e
arreião, eu freava e diminuía muito a velocidade, o que
prolongou o tempo de viagem e me fez chegar ao Camping do
Vicente à noite. Foram 180km em 4h40min, com uma velocidade
média de 38km/h.
As surpresas do caminho: 1) de ver
alagados e veredas nas margens da rodovia me faz questionar:
Deserto ou Pantanal? 2) um buracão "escondido" na lama fez um
"carnaval" (vide foto) com os utensílios de cozinha. Ao parar
logo em seguida ao solavanco para verificar se havia alguma
avaria, me convenci que pratos, copos e panelas estariam melhor
ande já estavam: todos no piso, e "dali não passariam".
A recepção do Sr. Vicente foi a mais
calorosa possível. Logo me instalei: a grande vantagem do
MotorCasa é que só precisa estacionar e nivelar com calços de
madeira (preciosismo de minha parte). Desisti de arrumar a
bagunça do "carnaval", coloquei tudo em um saco para momento
futuro. Afinal, eu estava no coração do J A L A P Ã O...
DA EMOÇÃO
"Geeennnnte!!!", cheguei no Jalapão,
um dos paraísos ecológicos do planeta. A precariedade das vias
de acesso, a escassez de locais de apoio, a rudeza das condições
naturais fazem desse lugar um ambiente singular. Estava eu em um
dos ícones do "off road".
Sim, comemorei em grande estilo. Iniciei
com um vinho gelado e pedi ao meître (eu mesmo) un penne avec de
la viande à la sauce aux herbes fines. Sabem lá o que foi
aquilo, ali , naquele momento e naquela precariedade? Mais uma
taça de vinho antes do macarrão estar ao ponto. Fartei-me e fui
dormir.
A opção inicial era de acampar na
Cachoeira do Formiga para regozijar do barulho da água caindo -
quem já acampou sabe -, mas pelo avançado da hora de quando
passei pelo acesso e ao ver a placa indicativa de que eram mais
6,5Km, desisti. Não fez falta, pois caiu um "pé d'água" e o
barulho dos pingos me recobrou a memória emocionada de quando eu
era garoto e morava em casa. Hoje, moro em Apartamento e não há
barulho da chuva para embalar o sono.
DO MARASMO
Terça, dia 20.
Então estamos na terça. Chuva e mais
chuva. E agora?
A chuva da noite não deu trégua na manhã
seguinte e fiquei sem o que fazer. Após o café da manhã,
sentei-me à mesa e escrevi mais um pouco desse relato “teclando”
no “Palm Top”. Que requinte!
As notícias eram desanimadoras... o
fervedouro não esta "fervendo" porque a água da vereda "emendou"
com ele. As praias do Rio Claro não existem mais, porque as
águas avançaram e cobriram muitos metros de margem. Eu não
conseguia sair da inércia. A manhã se transcorreu arrastada e
melancólica. Pensava: estou no Jalapão e sem muita vontade de
conhecer tudo o que tem por aqui.
Resolvi dar manutenção no MotorCasa. Havia
planejado três serviços. Um deles seria instalar as lâmpadas de
emergência (do tipo residenciais) que estavam previamente
carregadas. Fiz furações, emendei fios elétricos e... pronto!
Ah, como eu gosto disso. Funcionou maravilhosamente bem de agora
até o resto da viagem. Com essas lâmpadas de emergência eu poupo
as baterias para ter iluminação à noite. Notei que são até mais
eficientes para leitura do que as lâmpadas de filamento,
originais.
Fiz arroz com carne seca para o almoço
(comida de tropeiro) e fui lavar a louça no barracão central do
camping. Vicente me deu a notícia de que precisávamos combinar o
dia seguinte, porque ele iria se ausentar. Foi o mote para que
eu resolvesse dormir na cachoeira do Formiga.
Levantar acampamento com o MotorCasa é
simplíssimo, pois só recolhi o pneu de estepe, (o segundo estepe
que levei por segurança) e fechei as janelas e a porta. Pronto
para partir!
Agora daria para encarar os 6,5Km que
desisti no dia anterior. Não seria sem apreensão que eu iria
percorrer esse trajeto. O caminho é todo em arreia, que estava
molhada e pegajosa... Alguns poções de água e mais “arreião”.
Dirigi praticamente em 2a marcha, acelerando fundo quando sentia
que o carro começava a perder velocidade (a pouca que eu
desenvolvia). A sensação era que as rodas "grudavam" no
chão e dava sinais que iriam ficar "fincadas" ali. Não tive
sobressaltos como ao atravessar os rios, mas a preocupação da
estrada de areia me acompanhou. Notei que as nuvens se
dissiparam. O caminho se estreitou e vieram as erosões (mínimas
em comparação com as que iria encontrar no caminho de volta, mas
isso eu conto depois).
DO REGOZIJO
Avistei a palhoça do camping. Larguei o
carro embicado em qualquer lugar que coube. Desci e escutei o
barulho d'água. Fui em direção à cachoeira. A visão é
paradisíaca. O verde-esmeralda da água é lindo. Pulei na água...
é “morninha”! O sol brilhou forte e iluminava o fundo do poço.
Deliciei-me o resto da tarde. Estava extasiado, sai e retornei
para nadar várias vezes. Só retornei ao MotorCasa quando o sol
se pôs... E a chuva voltou.
Nivelei o carro. Um grupo de motoqueiros
veio com curiosidade conhecer meu "carro-casa". Comi as
sobras do almoço com muitas frutas. Planejei fumar uma
cigarrilha conversando com os motoqueiros de Curitiba, com os
quais eu havia encontrado na segunda-feira pela manhã, na
estrada de volta de Taquaralto. O encontro não ocorreu por causa
da chuva grossa.
DO REGRESSO
Quarta, dia 21.
No Planejamento, dia do início da volta.
A segurança de já ter trilhado os caminhos
do Jalapão foi tranqüilizador nesse momento. Após os
preparativos de partida, que vcs sabem que são mínimos, iniciei
a viagem de volta com planos de conhecer as Dunas, que passei
direto na vinda.
A chuva deu uma trégua e, de 2a marcha
engatada e de "pé no fundo", segui pela estradinha de areia até
a "rodovia". Com toda calma do mundo fui "tocando" e admirando a
beleza campesina ao redor.
Ao chegar na portaria que dá acesso às
Dunas, avistei o Niva dos jornalistas de Ribeirão Preto. Fiquei
tão contente que estacionei buzinando. Desci e os moradores me
olharam com espanto. Sem graça, perguntei pelos rapazes do Niva.
Eles haviam abandonado o carro estragado e estavam em Mateiros.
Senti tristeza, pois estava lá em Mateiros há poucas horas e não
me encontrei com eles.
O Niva fundiu o motor no caminho para as
Dunas devido a uma poça profunda que os rapazes não conseguiram
superar. Pôxa! A questão de segurança é crucial por aqui...
(sussurrei para mim mesmo).
DO ESPLENDOR
Conversei um pouco mais com os nativos,
tomei um lanche e parti para a trilha de areia que dá acesso às
Dunas, com o cuidado de desviar dos poços pelas laterais,
"beliscando" o cerrado. Nesses desvio, inclinação do MotorCasa
ficava perigosa, devido o desnível entre o barranco e a pista,
que possuía sulcos profundos na arreia causados pelos tráfego.
Cheguei e me maravilhei com as montanhas
de areia dourada das Dunas. Subi com esforço até o alto. A visão
é esplendorosa.
Impossível não comparar o estranhamento
daquelas formações rochosas com a sensação que tive ao ver, pela
primeira vez, o Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros. Se
forçasse mais na descrição, eu diria que, aqui, o encantamento
que temos é comparável à surpresa diante de um número de
ilusionismo. Despedi-me das Dunas com muitas fotos.
Não estava chovendo e os caminhos estavam
mais "fáceis". Eu havia tido notícias de que a chuva de dois
dias atrás castigou a cidade de Mateiros. Ao me aproximar
percebi a proporção dos estragos. As erosões na estrada eram
imensas. Iniciei a travessia da primeira devagar... "Cruzei os
eixos" e o chassi "chiou". Outras vieram... e o chassi da
camionete “estalou”.
Cheguei em Mateiros. Voltei no restaurante
Panela de Ferro para conversar com o dono, Luiz Roberto. Na
segunda feira passada ele estava "banhado" em suor com o
corre-corre da casa cheia. Dessa vez ele se aproximou do
MotorCasa e perguntou interessado sobre o funcionamento dos
equipamentos. Os poucos hóspedes que ainda restavam se
aproximaram também. Conversamos um pouco sobre as chuvas e das
pontes caídas, que, decorrido dois dias, já haviam sido
remendadas.
Um dos hóspedes era chileno e disse que o
irmão que morava na Argentina tinha um Camper jogado no quintal
de casa. Nos avaliamos que deve ser muito mais comum ter um
Camper lá pelas terras portenhas.
Retomei o caminho de volta. Atravessei
mais erosões fundas e de novo ouvi os estalos na parte de baixo
do carro. Percebi que não era o chassi, mas o suporte do estribo
é que reclamava a torção excessiva. Mais uma vez comprovei que o
carro é preparado para situações extremas, pois até agora, nada
de grave aconteceu.
DAS LEMBRANÇAS
Continuei a viagem bem devagar. Cheguei
em Ponte Alta e reabasteci. A preocupação com a possível falta
de combustível não se confirmou. Ainda sobrou muito diesel.
Encostei debaixo de uma árvore e fiz um almoço às 3 horas da
tarde. As belezas, os infortúnios, as alegrias, as
preocupações... Tudo estava “povoando” a minha cabeça.
Lógico que não iria retornar por
Pindorama. Segui até Porto Nacional e cheguei de volta à
Natividade ainda com a luz do dia. No dia seguinte conversei
muito com a gerente do hotel, que me fez ficar muito curioso em
conhecer as ruínas da “cidade velha” de Natividade encravada na
montanha. Fica para uma próxima vez.
Na estrada, a temperatura do motor foi
subindo muito à medida que o sol esquentava. Mesmo com baixa
velocidade, nas imediações de Teresina de Goiás a situação ficou
crítica. Ali não encontrei nenhuma oficina na beira da estrada
que me fizesse querer parar. Deveria ter procurado outras, mas
não o fiz. Com as serras até Alto Paraíso, eu tinha que andar a
40km/hora de 3a marcha e, mesmo assim, o radiador quase ferveu.
Em Alto Paraíso, parei decidido a resolver
essa situação de uma vez por todas. Parei em uma oficina na
beira da estrada e pedi que tirasse fora a válvula termostática.
“Instalamos” um pedaço de cano-de-escapamento velho com marcas
de ferrugem e fuligem. Resultado: até minha cabeça se refrescou!
O aquecimento continuava um mistério, mas agora o motor
resfriava o suficiente nas descidas. Acho que vai ficar assim
para sempre.
A chegada em Brasília foi sem mais
sobressaltos.
Resolvi relatar essa viagem para “fazer
lastro” com outros viajantes e expedicionários do Jalapão e de
outras “eco-maravilhas” naturais.
Dias após, recordando a viagem, tive
vontade de reler o livro sobre a viagem do Amir Klink - Cem dias
entre o Céu e o Mar.
Constatei o que também havia se passado
comigo nessa expedição. Em primeiro lugar eu diria que o impacto
de cada uma das experiências sempre foram acompanhadas de uma
forte vivência interior, constatável pelo extenso relato. Mais a
mais, não bastasse isso, houve mudanças na percepção de mim
mesmo e do ambiente provocada por cada uma das situações
vividas, mudanças essas que se processavam no instante da
ocorrência dos acontecimentos. Fenomenológico, não?
Até a próxima!
__._,_.___
Artigo escrito
por Ricardo Marques
Publique
você também um relato de sua viagem ou
expedição. Tais dados poderão auxiliar ou elucidar os demais campistas ao
planejarem suas futuras saídas, tornando-as muito mais ricas e
proveitosas.
Envie para
contato@macamp.com.br.
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