ALMIR
SATER
O Violeiro
O
dom pra viola
Em pequeno
gostava de fazendas, bois e do som da viola. E para
juntar as paixões foi preciso sair de Campo Grande, onde
nasceu, e parar no Largo do Machado, no Rio de Janeiro,
quando topou com dois violeiros mineiros tocando no meio
da praça. Tinha vinte e poucos anos e decidiu, nesse
momento, largar o curso de Direito e voltar para casa,
para tocar viola. Suas composições falando de
fronteiras, águas, canoas, boiadas, peões, varandas,
galopes e pássaros, assim como suas obras instrumentais,
fizeram dele, desde a década de 80, um músico singular.
Desde o
início, passeou livremente pelo som da música popular
urbana, a sertaneja, Villa-Lobos, os pagodes de Tião
Carreiro, e da fronteira do Mato Grosso, do Vale do
Jequitinhonha e de outros reinos da viola e da cultura
popular.
Apesar de
participar de novelas como ator, sua vocação é mesmo a
de compor , canta e tocar viola - isso começou cedo. Os
amigos do pai em Campo Grande, gostavam de bossa nova. O
menino estudava violão, mas ouvia viola no rádio,
naqueles programas de madrugada, hora de caipira acordar
para pegar na enchada, 'hora de cuspir', como brinca o
povo da roça.
'Esse
som sempre me fascinou. É um sentimento, uma tara e eu
nunca soube por que. É a minha sina. No Mato Grosso não
tem quase violeiro, Dona Helena Meirelles pra mim foi
uma surpresa. Conheci alguns poucos, influenciados pelos
mineiros. Lá não tem tradição de viola, só de violão,
sanfona e harpa paraguaia, música de fronteira.'
Mas viola e
boi é combinação tão perfeita quanto goiabada e queijo.
E se ele gostava de viola, era natural que se sentisse à
vontade no meio do curral, montando cavalos, ouvindo som
de berrante. Campo Grande naquela época não era
desenvolvida como hoje, e as fazendas de gado ainda
rodeavam a cidade. Almir ia sempre à de seus tios e
insistia, em vão, para que o pai comprasse uma, naquele
tempo de fartura de terras. 'Deus me livre. Quando
você crescer você arruma a sua e eu vou lá passear',
respondia Seu Fuad, que gostava de cavalos, mas nas
raias do Jóquei. 'E foi assim que aconteceu',
conta o violeiro.
Conseguir a
fazenda seria a segunda etapa de sua vida. Na primeira
estava o seu encontro com a viola.
Influências
Além
de Tião Carreiro, a viola de Renato Andrade também está
no primeiro time de sua admiração. Ouvindo-o, o
mato-grossense aprendeu a afinar o instrumento num
rio-abaixo.
'Em
que, em vez de se usar o bordão em ré, abaixa para dó.
Fica mais bonito. As afinações sugerem coisas, cada uma
tem a sua magia, e com essa fiz 'Europa', uma espécie de
valsa, que está no Instrumental vol.2.'
Violeiro de
muitos recursos, adotou para a maior parte de sua obras
a afinação cebolão, nas suas variações (em mi maior ou
em ré maior), mas gosta de sua viola em dó maior,
afinação que descobriu e nunca viu ninguém fazer. É
invenção sua. Rafael Rabello no violão e George Benson
na guitarra são os dois outros instrumentistas
preferidos, pela agilidade e a qualidade de melodia, que
'fazem viajar'.
As
primeiras gravações
Foram todas
essa informações, gostos e técnicas que levou para o
estúdio, para fazer seu primeiro disco. O disco pegou a
mídia de surpresa: um músico jovem de Mato Grosso
reinventava a viola, trazendo ingredientes novos ao
então desprestigiado som rural. A imprensa o incluiu na
safra dos 'sertanejos chiques', saudando o fascínio, a
simplicidade e a grande qualidade das melodias e
arranjos que misturaram viola com violões de 12 cordas,
violinos e harpa paraguaia.
O som da
fronteira fundido ao do interior mineiro e paulista, e
às pegadas do blues, chegava às platéias dos grandes
centros na viola sem preconceito. Ele aliava a tradição
à linguagem de sua geração, o arrasta-pé a um som meio
roqueiro. E, além de tudo, sabia fazer boa poesia - como
Joan Baez e Bob Dylan, Almir também é devoto do folk.
No segundo
LP, Doma, em 1982, surgiu a parceria com Renato
Teixeira, que daria, ao longo da amizade, excelentes
frutos. Nesse disco, 'Peão', da dupla, abriu o lado A e
entrou na trilha da novela Fera Radical, da Globo.
Levando a carreira
Quando
conheceu o compositor de 'Romaria', Almir encontrou um
semelhante, um vizinho de alma, identificando-se com sua
forma de cantar e compor, e também na maneira de
conduzir a carreira. Aos poucos foi se integrando a uma
rede de músicos de gerações próximas, com trabalhos que
apontavam para a mesma direção: temas que falavam das
regiões de onde vieram. Cita Tavinho Moura, que mora em
Belo Horizonte, Passoca em São Paulo, Paulo Simões e
Geraldo Roca no Mato Grosso, entre outros.
O primeiro
disco instrumental saiu em 1985, após longa viagem de
pesquisa no Pantanal (que resultou no documentário
Comitiva Esperança, produzido com Paulo Simões em
parceria com a Tatu Filmes, de São Paulo), e mostrou a
qualidade de violeiro em 'Corumbá', 'Luzeiro', 'Viola de
Buriti' e, novamente, sua admiração por Tião Carreiro,
em 'Rio de Lágrimas'.
Em Cria, no
ano seguinte, produzido por Carlão de Souza, o som ficou
mais pop, com a entrada forte de guitarras, sax,
teclados e baixo. O repertório trouxe novas parcerias
com Renato e Paulo Simões, e a regravação do mesmo
clássico de Tião, seguramente um dos mais lembrados do
gênero por cantores de todas as gerações.
A gravadora
resolveu ampliar seu público e tentou lhe dar um
tratamento menos regional, inclusive na capa, em que ele
está de cabelos de corte moderninho e blazer de gola
levantada. Mas nos trabalhos seguintes o violeiro
preferiu pôr de volta o chapéu, calçar as botas e
assumir definitivamente a imagem e o som do pantaneiro.
Ser
violeiro
Se a
televisão levou a viola para a sala da classe média
urbana, nem por isso Almir Sater acredita que o
instrumento vá se popularizar fora das regiões em que já
é parte da cultura. E não apenas por preconceito. Hoje
há escolas de viola no interior de São Paulo, bons
violeiros que criaram métodos e arregimentam alunos.
'Ela é
um instrumento muito primitivo, limitado, dífícil de se
tocar, aprisionado por afinações que a incompatibilzam
com um intrumento afinado de forma diferente. Porque, se
for para harmonizar, fazer acordes, não é viola. Ela tem
que ter ressonância, tem que se alimentar dos bordões, e
se você toca viola com toca violão, não vai funcionar. O
Zé Coco do Riachão era uma exceção, tocava com afinação
de violão, mas com a concepção de viola. Ela é pra
poucos, tá no sangue.'
Suas violas
têm mais de vinte anos, são Del Vecchi e há pouco tempo
conseguiu uma feita pelo jovem luthier Juraci de
Carvalho, mato-grossense que mora em São José do Rio
Preto, interior paulista. A qualidade do som do
instrumento é fundamental. Porém, mais importante para
Almir é se manter solto, livre de rótulos, quanto ao seu
estilo musical.
'Isto
é um desafio pra mim. Faço a música caipira que eu ouvia
no rádio, mas tenho influências do interior do Brasil.
Das minhas composições, 80% não tem nada a ver com
música caipira. 'Tocando em Frente' é um rasqueado, só
que não é tocado como rasqueado. 'Moura' está mais para
o choro, 'Cristal' é um estudo. 'O Violeiro Toca' é
música de viola, mas não é caipira. Mas pode me chamar
de caipira.' |